"Como está?", perguntou o seu Moacir, o camisa 13 da seleção brasileira na Copa do Mundo da Suécia, reserva do melhor jogador daquele Mundial de 1958, o incomparável Didi da Folha Seca.
A reportagem respondeu que tudo está bem e devolveu a pergunta: "E o senhor, como anda?" O repórter perguntou por perguntar. Sabia que a resposta passava pela dificuldade financeira. "As coisas estão difíceis por aqui. O dinheiro que ganho com a aposentadoria vai todo nos remédios que tomo: cerca de US$ 300 (R$ 1.200). Desde que fiquei doente (teve um câncer e dois enfartes), tomo nove comprimidos por dia".
É impensável imaginar que um integrante daquela seleção de sonhos possa estar passando por dificuldades financeiras. Um meia que formou ataque de 1957 com Mané Garrincha, Mazzola, Pelé e Canhoteiro. Mas não dá para comparar o que ganhava um craque daqueles tempos com um jogador mediano dos dias atuais. No auge de sua carreira, seu Moacir Claudino Pinto jogava no Flamengo, esse mesmo que vai disputar a final da Copa Libertadores neste sábado. Aliás, naquele grupo campeão do mundo de 1958 havia todo um ataque rubro-negro: Joel, Moacir, Dida e Zagallo. E o artilheiro Evaristo de Macedo só não esteve na Suécia porque já jogava no futebol espanhol, onde virou lenda do Barcelona e Real Madrid.
"Quando ainda estava no Flamengo, o nosso time principal fazia questão de chegar mais cedo ao Maracanã só para ver o time de aspirantes jogar. O time era sensacional e era onde brilhava o Moacir", contou ao Estado, certa vez, Evaristo de Macedo. O meia Moacir jogava o fino da bola. E foi esse talento que o tirou de uma vida miserável. "Com 5 anos já perambulava pelas ruas de São Paulo, abandonado pela minha família", revelou o seu Moacir, em outra reportagem de 1998 no Equador, quando dirigia a equipe de base do Barcelona de Guayaquil.
Internado em um orfanato em Osasco, Moacir cresceu jogando bola e acabou sendo levado para fazer testes no Rio de Janeiro. Agradou tanto em seu primeiro treino que acabou ficando no alojamento da Gávea. "Nunca mais voltei para o orfanato".
Era a metade da década de 1950. O "Expressinho" rubro-negro praticava um futebol empolgante. Logo Moacir estava no time titular. Em 1958, às vésperas do embarque para a Europa, fez seus dois únicos gols pela seleção brasileira, em amistoso contra a Bulgária: 4 a 0.
O técnico Vicente Feola gostava de seu futebol. Carimbou o passaporte para a Copa do Mundo e só não teve a honra de participar do campeonato porque Didi era um monstro insubstituível - tanto que recebeu o prêmio de melhor jogador da competição. "Todo mundo do ataque jogou naquela Copa, menos eu e o Pepe".
"Mas eu não tenho do que reclamar", comentou com sinceridade seu Moacir. Depois que abandonou o futebol, virou treinador e fez trabalhos diversos na função. Já foi comandante, por exemplo, da equipe infantil do Exército equatoriano.
Quando saiu do Flamengo (onde jogou de 1956 a 1962), Moacir foi parar no River Plate, rival do clube brasileiro na decisão de Libertadores. Ou seja, seu Moacir jogou nas duas equipes credenciadas a festejar a América neste final de semana.
Em 1963, estava no Peñarol. Depois jogou no Everest, do Equador. E de 1964 a 1970 foi ídolo do Barcelona de Guayaquil e encerrou a sua carreira no Carlos Manucci, do Peru, em 1974. Da equipe peruana, guardou grandes amizades.
Sua mulher e seus filhos são equatorianos - Moacir teve um casamento no Brasil, desfeito quando foi para o futebol estrangeiro. Na década de 1970, os filhos Júnior e Jordan eram esportistas e a pequena Claudet era o dengo da família.
Mas se a questão financeira tira um pouco do bom humor de Moacir Claudino Pinto, a atual fase do Flamengo o deixa muito orgulhoso. "Por estes dias recebi uma mensagem de um amigo equatoriano, com um desenho: era um caminhão do Flamengo passando por cima de todo mundo. Realmente este time é muito bom. Tem muito entusiasmo", disse.
Moacir também jogou em um Flamengo de sonhos, de títulos e de Maracanã lotado. "Assisti pela televisão os 5 a 0 sobre o Grêmio. Gosto muito daquele menino que tem o cabelo pintado. Como ele se chama mesmo?" O artilheiro: Gabriel. "Este mesmo. E o time todo tem entusiasmo. Mas para ganhar do River Plate é preciso jogar com serenidade, os 90 minutos. O time argentino é muito bom e tem força ofensiva também".
A reportagem pergunta a Moacir para quem ele vai torcer, uma vez que vestiu a camisa dos dois rivais sul-americanos. "Eu adoro o River, como gosto do Peñarol, do Barcelona de Guayaquil, do Everest, do Carlos Manucci... mas sou Flamenguinho, entendeu? Claro que vou torcer para o meu Flamengo".
A paixão é antiga. Foi ali no clube da Gávea que ele mudou a história de sua vida de abandono. Foi ali que entrou para a história do futebol nacional. E foi naqueles anos de juventude no Rio de Janeiro que formou um dos maiores times rubro-negros de todos os tempos. A reportagem pergunta se tem comparação deste time do Flamengo com aquele em que jogou. Ele fica em silêncio. E emenda. "Que é isso... Não há comparação, o nosso era muito melhor!"
(Com Agência Estado)
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