Não sei bem se sou eu que persigo a polêmica ou se é ela que me persegue! Mas, como escrevi anteriormente, o não vou me adaptar que mora em mim, está sempre disposto à um bom debate, à luta de ideias e, preferencialmente, a um novo aprendizado político pedagógico.
Antes, porém, preciso esclarecer que o título que segue, foi inspirado na obra de Carboni e Maestri, intitulado A linguagem escravizada – Língua, história, poder e luta de classes (2003). E não. Não sou da área de linguagens, mas a forma como os autores abordam e entrelaçam os temas, historicamente, me seduziram. Eles partem de Gramsci, Marx, Bakhtine e outros para concluir que “a língua faz parte da realidade social, construída pelos seres humanos para os seres humanos”. Portanto, não se pode perpetuar preconceitos linguísticos, apoiado em preconceito social.
Pois bem, retomei esta leitura após assistir um vídeo onde o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes, concede entrevista aos jornalistas, falando sobre a polêmica em torno do novo hospital. Na verdade, assisti ao vídeo inúmeras vezes, não pela questão do hospital, que sigo acompanhando pelos noticiários. Também não foi pelo fala não fala, fala do governador e a primeira dama, mas sim pela generalização da fala do próprio governador.
Em um dado trecho de sua entrevista, referindo-se às OSSs, ele começa dizendo que “Nós vivemos outros tempos”, que não se pode comparar os comportamentos que tinham os políticos no passado, com os escândalos que eles protagonizaram no passado, com o que há agora. Até aí tudo bem, em que pese que na minha opinião, este tipo de postura nivela tudo e todos por baixo, numa clara tentativa de dizer que tudo que veio antes foi ruim. Posso até ser crítica a governos anteriores, mas colocar todos no bolsão da corrupção é exagero.
Mas, o que veio a seguir foi o que mais me impressionou. Ele diz: “Não há que se fazer comparação dos tempos atuais com os tempos de um passado negro, obscuro cheios de escândalos, de corrupção, que todos nós sabemos o nome desses atores e como eles agiram. Vivemos tempos totalmente diferentes”. Eu poderia relevar, não dar importância ao fato, mas, em tempos obscuros, ouvir de um representante político tais palavras, elas precisam sim ser contestadas, sob pena de normalizarmos aquilo que Carboni e Maestri chamam de perpetuar preconceitos linguísticos, apoiado em preconceito social.
Portanto, somo-me a luta antirracista, fazendo coro à Clóvis Moura (1994), ao constatar que o racismo é um dos “temas mais polêmicos e inesgotáveis do mundo moderno”. Para ele, “somente admitindo o papel social, ideológico e político do racismo poderemos compreender sua força permanente e seu significado polimórfico e ambivalente”.
Não satisfeita, para compreender melhor a origem de tal pensamento, recorri à Nelson Werneck Sodré (1989), quando ele trata da ideologia do colonialismo, onde o conjunto de preconceitos, sobretudo contra negros e indígenas, servem para a dominação e exploração. N’O homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda (1984) foi possível observar o quanto homens públicos se armam de suas máscaras de cordialidade – que não precisam ser legítimas –, para manter a sua supremacia ante o social.
E por fim, Muniz Sodré, em A verdade seduzida – Por um conceito de cultura no Brasil, (1983) escancara a cultura negra e o quanto ela foi incômoda, por se tratar da cultura de uma população dominada. Segundo ele, a cultura negra é um lugar “forte de diferença e de sedução na formação social brasileira”. Não é à toa que ao longo dos tempos, os estereótipos foram se acumulando: preguiçosos, sujos, marginais, selvagens, fétidos e por aí vai.
Isso posto e para que possamos tirar lições da história, a frase tempos de um passado negro, obscuro cheios de escândalos, relacionando a corrupção ao que é “negro” e “obscuro” reflete a forma como o pensamento do atual governador foi sendo construído: o que é “preto” é ruim. Isso não é mera linguagem, está lá, entranhado nas profundezas do seu ser. Mas, sempre é tempo de reconsiderar e mudar. É só aproveitar a oportunidade político-pedagógica que por hora se apresenta.
(*) LANE COSTA é Professora do IFMT. Pedagoga, doutoranda em Educação pela UFG. É presidenta do PCdoB/Cuiabá e da Federação Brasil da Esperança/Cuiabá.
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