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Terça-feira, 04 de Dezembro de 2018, 14h:52

O que quer, o que pode essa Dona...?

Se a ação do tempo é implacável à fêmea vaidosa, não impede, por outro lado, a florada, o fruto e a colheita

MARLI WALKER

Divulgação

Marli Walker

Escritora e poeta Marli Walker

 

Este texto não pretende resenhar, descortinar, esmiuçar ou realizar uma análise teórica sobre a poesia de Dona, livro que Luciene Carvalho lançou há poucos dias em Cuiabá. O que o texto propõe é assinalar algumas nuances da voz desta poetisa, senhora de si, de seu tempo, de sua posse e consciência sobre faltas e sobras, senhora daquilo que constitui o universo da mulher que reconhece o seu lugar no mundo e reverbera em versos o empoderamento daí resultante. Se a ação do tempo é implacável à fêmea vaidosa, não impede, por outro lado, a florada, o fruto e a colheita. 

Poderia, como sabe seu leitor, enveredar pela poética do corpo, do tempo, do espaço (de uma janela, a de Irineia), do feminino – mulher – colo materno. Poderia, ainda, voltar o olhar para a poética da resistência, tão feliz e representativa em Luciene. As possibilidades de leitura são várias, mas não farei isso. O que guia este texto é antes uma curiosidade que vem misturada a uma constatação inevitável: eu só queria, dentre todos os poemas de Luciene Carvalho que já li, ter escrito “Irineia na janela”. Alcançar a conciliação estética, o movimento pendular entre forma e sentido, conjugando a imagem arrebatadora e, ao mesmo tempo, celebrando uma saudade visceral e, talvez, apaziguando-a, é realizar a mais profunda experiência poética de que somos capazes. (Forma-se um nó em minha garganta quando releio este parágrafo porque as imagens do poema se dispõem em cascata em minha mente, na rua, no trabalho ou mesmo na janela, como tem ocorrido sempre que lembro de Irineia. Ela irá comigo por onde eu for.). 

Madura e potente, desenvolta e soberana, assim é a Dona desta poesia, tão forte quanto a confissão de saudade do colo materno, do aconchego fundamental. Engana-se quem toma por fragilidade o canto saudoso da mãe que partiu, o reclame pelo colágeno escasso, o susto ante o pronome de tratamento (senhora) que, antes de tratar, destrata, o estranhamento ante o jovem e apaixonado amante com quem divide a vida. O canto de Luciene é a mais pura celebração da potência que só a maturidade consciente do exercício poético é capaz de transmutar em versos, deixando leitor e espectador em paz com o tempo, com as perdas e, sobretudo, com os incomensuráveis ganhos que só esse movimento pendular pode trazer. Sim, eu disse leitor e espectador, porque Luciene Carvalho põe o tempo em suspenso quando encena seus poemas, arrebatando a plateia na experiência epifânica que é vê-la em cena. Língua e linguagens, poemas e (em)cena, eis o profundo exercício da poeta que nos põe a todos em contemplação, na janela, diante de sua Irineia.

Por isso, não teorizo. Apenas pergunto: o que quer, o que pode essa Dona? É preciso teorizar, criar ou fantasiar para assinalar as nuances que proponho? Não. Carvalho cria, fantasia, encena, interpreta e emociona. Trata-se de uma artista pronta, completa. Poeta e Dona absoluta de seu roteiro, de seu verso liberto, sim, livre porque as supostas amarras são imagens que compõem o jogo de cena, forte nas fragilidades porque se convertem na potência desta obra, cujo movimento conjuga ritmo e imagem para celebrar a madureza e tonalizar o canto da poesia com a cor bonita desta poeta brasileira. Se, conceitualmente, é isso que ela quer, não sabemos e não importa. Sabemos que é isso que a poeta faz. Suas metáforas perfazem naturalmente o movimento entre som, sentido e cena, acentuando o estilo inconfundível de seu verso. Se é isso que ela pode? Sim, ela pode tudo!

Obrigada, Luciene, por permitir que eu te leia desde Teia e continue te seguindo, aprendendo e renascendo a cada novo verso teu.

(*) MARLI WALKER é escritora, graduada em Letras pela UNEMAT, Mestre em Estudos de Linguagem (PPGEL/UFMT) e Doutora em Literatura (UnB). É autora de Pó de serra (2009), Águas de encantação (2009) e Apesar do Amor (2016), todos de poemas.