Em seus últimos anos de vida, Elis Regina cultivou, entre outras angústias, a insatisfação com o que havia se tornado a indústria musical. Na última entrevista, concedida dias antes de morrer ao programa “Jogo da Verdade”, da TV Cultura, criticou a prepotência disfarçada de marketing das gravadoras, a falta de preocupação com a criatividade e o “círculo dos elefantinhos”, onde um segura o rabo do outro e nada se renova. Para a cantora, os cifrões estavam ganhando a briga contra a qualidade.
As queixas são retratadas em “Elis”, cinebiografia que estreia nesta quinta-feira (24), e ainda fazem sentido mais de 30 anos depois. Na opinião do diretor Hugo Prata, o cenário é hoje ainda pior. “[O mercado] está ainda mais orientado pela grana. É pesquisa, o que está vendendo mais, não a qualidade”, diz ao G1. “As que ocupam o lugar de estrelas hoje são meninas com pouquíssima profundidade.”
Se surgisse em 2016, Elis ganharia “de lavada” das vozes que dominam o pop atual, brinca Andreia Horta, responsável por reviver a cantora no cinema. “Estaria fácil para ela. Se, naquela época, com grandes cantoras, ela se tornou a maior...”
“O discurso artístico de Elis ainda é surpreendentemente presente, os momentos do filme em que ela fala sobre as condições de trabalho e a maneira como o mercado está organizado para tratar o artista... São questões muito atuais”, acrescenta Andreia.
‘Não sou a Elis’
Andreia se preparou por três meses, em jornadas diárias de oito horas, para viver a cantora. Cortou o cabelo, incorporou seu sorriso e olhos arregalados e até aprendeu a cantar para dar mais naturalidade às cenas. É da própria Elis, porém, a voz das músicas que embalam a história. Tentar reproduzir o timbre da artista seria “trair o público”, segundo Prata.
Encarregada de interpretar uma figura marcada pela expressividade, a atriz afirma que não tentou imitar Elis. “Dificilmente conseguiria, mesmo se me propusesse”, avalia. “O momento de libertação total é quando entendo que todo mundo sabe que eu não sou a Elis. O mais importante é como a gente se encontra, o que ela faz comigo e o que eu faço com ela.”
Vida de espinhos
Seguindo o padrão mais tradicional de cinebiografias, “Elis” retrata a cantora da adolescência, quando chegou ao Rio para tentar alavancar a carreira, à morte, aos 36 anos, em 1982. A história passa pelo conturbado casamento com Ronaldo Bôscoli, a redenção amorosa com César Camargo Mariano, o embate com a ditadura militar e os problemas com drogas no fim da vida – embora estes não fiquem tão claros na tela, por decisão do diretor, que os considera pouco representativos na trajetória de Elis.
A tentativa foi mostrar que a vida da artista não foi fácil, diz Prata. “Seria fácil se ater ao mito, mas a vida dela foi cheia de espinhos. Isso humaniza a Elis e a traz para perto de todo o mundo”, explica o diretor.
Os homens de Elis
O diretor, que assina o roteiro ao lado de Luiz Bolognesi e Vera Egito, escolheu dar destaque aos homens que cruzaram o caminho da cantora. Seu pai, Romeu Costa, o produtor Luís Carlos Miele, o coreógrafo Lennie Dale, o cartunista Henfil, além de Bôscoli e Mariano, alteram os rumos da história, para mostrar, segundo Prata, como Elis conseguiu enfrenta-los em um ambiente predominantemente masculino, ao mesmo tempo em que sofreu nas relações com eles.
Ele justifica a decisão citando uma frase de Henfil, publicada num artigo logo após a morte da cantora, por overdose de cocaína: “Nós, homens, te matamos”. Andreia, que exalta a postura feminista de Elis, discorda: “Foi um erro de dose, um acidente, um acontecimento trágico. Foram os homens p*** nenhuma.”
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