Considerando a polarização entre ciência e religião, uma obra medieval permanece como símbolo do esforço por conciliar fé e razão: a Suma Teológica, de Tomás de Aquino. Escrita no século XIII, ela não apenas moldou o pensamento cristão ocidental, mas certamente teve forte influência em áreas como ética, direito, política e filosofia. Avança em ser um tratado religioso, trata-se de uma síntese do saber humano à luz da fé cristã, fazendo uma simbiose entre convicções teológicas e argumentos racionais.
Tomás de Aquino (1225–1274), frade dominicano e teólogo italiano, viveu em um período de redescoberta das obras de Aristóteles no Ocidente, graças às traduções árabes e aos comentários feitos sobre filósofos (Averróis – O Comentarista). Em um contexto em que a razão sobrevivia, Tomás propôs-se a demonstrar que não havia contradição entre a razão bem orientada e a fé revelada. Sua grande obra, a “Summa Theologiae”, reflete essa missão.
Dada como escrita entre 1265 e 1274, a Suma tinha um objetivo didático: servir como manual introdutório para os estudantes de teologia. Apesar de seu caráter pedagógico, ela se tornou uma das maiores realizações intelectuais da Idade Média. O método adotado por Tomás é rigorosamente sistemático: cada tema é tratado a partir de perguntas (ou "questões") que se desdobram em "artigos". Cada artigo segue um formato lógico: apresentam-se objeções à tese proposta, uma citação de autoridade contrária (quase sempre as Escrituras ou os Padres da Igreja), em seguida a resposta do autor, e, por fim, as refutações das objeções iniciais.
A obra se divide em três partes principais. Na Primeira Parte, Tomás aborda temas como a existência de Deus, seus atributos, a criação do mundo, os anjos e o homem. É nela que se encontram as famosas "cinco vias", argumentos filosóficos que pretendem demonstrar racionalmente a existência de Deus. A Segunda Parte, subdividida em duas seções, trata da moral cristã, das paixões, das virtudes, dos vícios, das leis humanas e divinas. Já a Terceira Parte dedica-se à pessoa de Cristo, aos sacramentos e à escatologia.
Ao unir o pensamento metafísico de Aristóteles à teologia cristã, Tomás construiu uma ponte duradoura entre filosofia e religião. Para exemplificar, sua reflexão sobre a lei natural influenciou o desenvolvimento do direito natural, com a ideia de que certas normas morais são acessíveis à razão humana e universais, independentemente da fé religiosa. Também, sua concepção de virtude referencia a ética dos tempos modernos.
Mas a importância da Suma vai além de seu conteúdo doutrinário. Trata-se de uma obra que acredita na capacidade humana de compreender o mundo com ordem, clareza e lógica. Em um tempo em que se acusa a religião de incompatibilidade com o pensamento crítico, a Suma Teológica apresenta uma imagem diferente: a de um teólogo que não teme o raciocínio, que argumenta com rigor.
Nos séculos seguintes, a obra foi incorporada ao magistério da Igreja. Durante o Concílio de Trento (1545–1563), foi usada como importante referência doutrinária. A partir do século XIX, com o movimento neotomista, voltou ao centro da formação filosófico-teológica católica e continua sendo estudada até os dias atuais.
Escrita há mais de sete séculos, a Suma Teológica é atual, como exemplo de diálogo entre fé e razão, entre tradição e a exigência de pensamento crítico. Ela transcende a quadra religiosa, oferecendo uma estrutura de pensamento rigorosa que impacta na perspectiva de conceber sentido à vida.
Em tempos de extremos e superficialidades, reler Tomás de Aquino é redescobrir a possibilidade do equilíbrio entre ciência e fé.
É por aí...
(*) GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO (Saíto) tem formação em Filosofia, Sociologia e Direito. (Email: podbedelhar@gmail.com).
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