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Colunistas Quinta-feira, 20 de Abril de 2017, 11:54 - A | A

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Quinta-feira, 20 de Abril de 2017, 11h:54 - A | A

Poderia ser uma carta de despedida

MIRELLA CARVALHO

 

Mirella Carvalho

 

Mãe,

 

Por favor, me perdoe - se isso é possível. E tente não chorar (acho que estou fazendo um outro pedido impossível, né?). Mas nunca, nunca quis te magoar. 

O problema nunca foi você, ou a forma como me tratou, ou como cuidou de mim. Muito pelo contrário.

Seus cuidados e seu zelo sempre foram os melhores que eu poderia ter. Os melhores que qualquer filha poderia querer.

Mas já faz algum tempo que perdi a alegria e já não vejo graça nas coisas. 

Tento chorar baixinho no meu quarto para que você não escute do seu – mas alguns soluços se sobressaem (me perdoe!). Não quero te atrapalhar, muito menos te preocupar, mas é uma angústia muito forte que sinto aqui dentro, que só chorando alivia um pouquinho.

Não sei se você consegue entender, mas parece que a vida não tem mais cor. Tudo o que vejo está em tons de cinza. Por isso a angústia e a falta de graça.

Já não sinto mais vontade de sair para trabalhar ou para fazer qualquer outra coisa. Tenho a sensação que as outras pessoas estão me olhando e me medindo a todo o momento. Por isso prefiro a segurança do meu quarto, onde tudo está em seu devido lugar. A cama e meu travesseiro viraram meus melhores amigos e dormir, meu esporte favorito.

Comer também já não tem mais graça; é um sacrifício mastigar. Sabe aquelas comidas em cápsulas, que os astronautas utilizam no espaço? Também queria dessas! 

Acordar, para mim, já não é um prazer, mas um martírio. Rezo todos os dias para acordar com alguma virose, que me permita ficar em casa.

Sabe, mãe, algumas vezes já pensei na possibilidade de me internar em algum hospício. Será que estou ficando louca? Eu, que tantas vezes julguei quem passava por isso, hoje me encontro na mesma situação. 

Quantas e quantas vezes ensaiei o modo como eu acabaria com tudo isso, mãe. Não foi uma nem duas vezes. Estava tudo planejado: eu estaria de moto, com a minha irmã, e deixaria o capacete com o fecho aberto. Quando estivéssemos na frente de um ônibus, deixaria apenas meu corpo cair para trás. Mas não tive coragem. Tive medo que a angústia que sinto passasse para o seu peito. Jamais me perdoaria se isso acontecesse.

 

Ah, mãe, se você soubesse que foi o seu afago, o seu choro junto com o meu que me deram forças para ir atrás de alternativas para essa dor que eu sentia. 

Se você soubesse que foi a sua mão que aqueceu a minha e me incentivou a procurar soluções para essa angústia sem fim.

Foi você, mãe, que conseguiu ler essa carta de despedida antes mesmo que ela fosse escrita.

Ah, minha mãe, se não fosse você, hoje eu não estaria aqui.

Obrigada por ler cada linha, cada palavra, cada frase que não consegui expressar. Obrigada por estar presente mesmo quando te exclui de tudo. Obrigada por nunca desistir de mim.

 

 

 

Mirella Carvalho teve depressão e anorexia nervosa dos 21 aos 25 anos e nunca tentou suicídio graças à sua mãe, que conseguiu identificar a tempo, lutou junto e se fez presente em todos os momentos da sua vida.

 

 

 

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