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Quarta-feira, 11 de Julho de 2018, 07h:51

"A gente ainda tem esperanças de que a Justiça tome providências", desabafa mãe

JULIANA ALVES-ESPECIAL HIPERNOTÍCIAS

Na noite desta terça-feira (10), um ato na Praça Nosso Senhor dos Passos relembrou a chacina do Beco do Candeeiro, que completa 20 anos. Mães, amigos e apoiadores da causa se uniram, movidos pelo sentimento da perda e sede de justiça. Em 1998, os adolescentes Adileu Santos de Araújo, 13 anos, Edgar Rodrigues de Arruda, 15 anos, e Reginaldo Dias Magalhães, 16 anos, foram assassinados no local, situado no Centro Histórico de Cuiabá.

 

Reprodução

chacina beco do candeeiro

Cena do crime em 1998

Maria dos Santos, 69 anos, é mãe da vítima mais jovem. Muito emocionada, ela conta que a dor nunca passa e o sentimento de injustiça prevalece. “A tristeza depois de 20 anos que eu perdi o meu filho... Quando eu perdi, ele tinha 13 anos de idade, hoje fazem 20 anos e até agora nada foi feito na Justiça. A gente ainda tem esperanças de que a Justiça tome providências e faça acontecer alguma coisa. Na verdade, ninguém tem o direito de tirar a vida de ninguém”, diz muito abalada.

 

Ela revela que novos advogados foram contratados para atuar na causa, visto que o único acusado pelo crime, um policial militar, foi julgado e absolvido em júri popular, em 2014. O caso foi arquivado, mas, inconformada, a mãe garante que vai voltar a tramitar o processo contra o policial acusado e que o culpado não vai sair impune.

 

O vice-presidente da Associação de Famílias Vítimas de Violência (AFVV), Heitor Reyes, informou que os advogados estão estudando o caso da chacina para averiguar se cabe mandar à Corte Internacional dos Direitos Humanos. “Mesmo que a Justiça não tenha o caso como resolvido, a associação não desiste nunca”, disse o vice presidente.

 

Reyes apontou que o ato também é para mostrar que a dor de quem perde o filho nunca se cicatriza, mesmo após 20 anos. “Se você for conversar com as mães, aqui do beco do candeeiro, elas se sentem completamente desamparadas pelo Estado, pela situação em que elas vivem”.

 

Narra, também, os problemas sociais da região. Mesmo o Centro Histórico passando por diversas reformas, o local é historicamente criminalizado e existem diversas pessoas em situação de rua, usuários de drogas, prostituição, entre outras pessoas em situação de vulnerabilidade morando no local. “Olhando em volta a gente vê pessoas que estão precisando de tratamento e não é um problema policial, é problema social. O Estado deveria estar presente cuidando dessas pessoas, tanto federal, quanto estadual e municipal”.

 

O presidente da AFVV, Wantuir Luiz Pereira, lembra que a chacina não é uma situação isolada, mas que existem casos parecidos pelo Brasil. “É um caso que não teve esclarecimento jurídico, tentaram buscar a solução, mas com o passar do tempo isso acabou se desfazendo”.

 

Ele complementa dizendo que a chacina do Beco do Candeeiro precisa sempre ser lembrada e que se mantenha as tentativas em descobrir os verdadeiros culpados, para que se possa responsabilizá-los.  

 

No ato em lembrança aos 20 anos do crime, estava também presente o padre Aloir Pacini. Ele começou a acompanhar o caso com outro padre e apoiar a causa das pessoas em situação de rua. 

 

Ele conta que o artista Jonas Corrêa, responsável pela estátua em homenagem às vítimas, teve o seu primeiro monumento completamente destruído. “Depois que o Jonas fez a estátua, a gente viu que a comunidade não gostou dela, não quis guardar essa memória (do crime)”.

 

O padre relata que o monumento foi quebrado, mas quando foi realizada a restauração da Igreja do Senhor dos Passos, ele mesmo fez questão de chamar o artista e pedir para que ele restaurasse a estátua com um material mais resistente, para não ser destruído. “Já tem dez anos que foi restaurado e ainda está intacto”.

 

Lembra também de quando a praça do Senhor dos Passos foi restaurada pelo município, a Prefeitura da Capital iria retirar a estátua do local. “Não sei se por ingenuidade, estavam levando embora esse monumento. Isso é muito feio! Isso é uma coisa que faz parte do patrimônio da cidade. Então essa memória não deve ser esquecida, deve ser trazida a todo tempo de volta para que não aconteça mais isso”.

 

O religioso compreende o sentimentos das três mães e trabalha junto à comunidade de rua para que outras tantas também não sofram a perda de um filho.“Elas se sentem violadas! Não só por perderem o filho, mas vem a sociedade, a Justiça brasileira sendo omissa, porque são crianças pobres, são crianças que a sociedade queria eliminar. E queria eliminar não só matando os três, mas também eliminar a memória deles tirando o monumento”