Sábado, 20 de Abril de 2024
facebook001.png instagram001.png twitter001.png youtube001.png whatsapp001.png
dolar R$ 5,20
euro R$ 5,54
libra R$ 5,54

00:00:00

image
facebook001.png instagram001.png twitter001.png youtube001.png whatsapp001.png

00:00:00

image
dolar R$ 5,20
euro R$ 5,54
libra R$ 5,54

Cidades Segunda-feira, 10 de Julho de 2017, 10:30 - A | A

facebook instagram twitter youtube whatsapp

Segunda-feira, 10 de Julho de 2017, 10h:30 - A | A

COISAS DE COLNIZA

Após chacina de 9, coveiro se antecipa e trabalha para abrir novas covas

DO UOL

Em um dia de aparente tranquilidade, sem velório ou enterro, o coveiro Valdinei Carço abre mais uma cova no chão de terra vermelha, ao lado de outra, recém aberta. Os buracos seguem uma fila linear, trabalho que ele exibe com orgulho. Túmulos à espera de um dono não eram comuns até a última chacina em Taquaruçu do Norte (distrito de Colniza), em 19 de abril, quando nove homens foram executados em disputas de terra.

 

Ahmad Jarrah/Repórter Brasil

COLNIZA

 

Carço enterrou cinco. "Tinha gente demais, até atrapalhava o trabalho", diz, sobre o tumulto daquele dia. Por isso, diz, decidiu se antecipar à próxima chacina, tema de conversas na pacata e hostil Colniza. 

 

Do tamanho dos Estados de Sergipe e Alagoas juntos, com 34.885 habitantes, Colniza não é para iniciantes. O município, localizado a mil quilômetros de Cuiabá (MT), recebeu o título de mais violento do país em 2007, mesmo ano em que três trabalhadores rurais foram mortos e outros dez, torturados, segundo a CPT (Comissão Pastoral da Terra).

 

"A violência impera em Colniza", diz Cristiano Cabral, coordenador estadual da CPT. O medo acua até os que lutam pelos direitos da terra, como é o caso de Cabral. Ele só aceitou falar com a Repórter Brasil (http://reporterbrasil.org.br/) um mês depois da chacina. Na conversa, se lembrou de outro crime que chocou a cidade, quando duas lideranças rurais foram assassinadas depois de denunciarem a ligação de políticos e policiais com a extração ilegal de madeira à Ouvidoria Agrária Nacional. "Ali tudo gira em torno dos conflitos agrários, que envolvem trabalhadores, grileiros, fazendeiros, empresários, milícias e políticos", diz.

 

Por denúncia anônima, a notícia da chacina alcançou o delegado Edison Ricardo Pick 24 horas depois do crime. "Aqui é difícil até de compor um inquérito. As pessoas não falam. Têm medo de dar informações e de se tornarem alvo de ameaças", diz Pick. Outra razão para a demora é que Taquaruçu não dispõe de sistema de telefonia nem de rede elétrica. Isso obriga os moradores a se deslocarem até o distrito mais próximo, a cerca de 30 km. Os primeiros relatos sobre o crime traziam a informação de que crianças e idosos estavam entre os mortos. Policiais militares e civis só começaram a se deslocar para o local do crime no dia 20. O trajeto de Colniza até Taquaruçu, zona rural próxima à fronteira de Rondônia, conta 250 km de estrada de terra. Nem o aplicativo Google Maps encontra a rota. A viagem pode levar de 16 horas a três dias, variando de acordo com as chuvas, que favorecem derrapagens e atolamentos. 

 

Ahmad Jarrah/Repórter Brasil

CEMITÉRIO

 

Apesar do isolamento, o local não é desabitado. Na vila de Taquaruçu moram mais de cem famílias de trabalhadores rurais. Uma delas foi desfeita na tragédia. Kellen Chaves era casada com um dos trabalhadores assassinados havia oito anos. Por telefone, ela diz que soube da chacina no mesmo dia que a polícia. Dois sobreviventes que conseguiram fugir deram a notícia. "Fiquei em choque", diz, resignada.

 

"Não saí da vila esperando a polícia chegar, porque eu não queria acreditar que ele estava morto", diz. No dia 21, a polícia alcançou as margens do rio Roosevelt. Para chegar ao local exato das mortes, a Linha 15 (nomenclatura das vias abertas a partir da vila principal), os agentes de segurança pública utilizaram uma balsa e, depois, percorreram, em motos, mais de 20 km em mata fechada.

 

Só naquele momento a polícia descobriu o tamanho da chacina: nove homens adultos mortos, cujos corpos estavam ao longo de 9 km da Linha 15. Nas motos, improvisaram "carriolas" para levar os corpos até a margem do rio. O perito Daniel Soares aguardava-os na beira do Roosevelt. Por causa do alto número de vítimas, recorreu a protocolos da Interpol (Organização Internacional de Polícia Criminal).

 

"Em um caso extremo como esse, você precisa estar amparado de todos os lados", diz o perito. "Como tínhamos muitas vítimas, optei pelo protocolo para agilizar o processo". Por isso, a pré-identificação dos corpos começou ali mesmo. No final do dia 21, os cadáveres, em caixões, seguiram com a equipe multitarefa para Colniza. 

 

No dia 22, os peritos trabalharam em um anexo do cemitério. A necropsia mostrou múltiplas lesões em cada corpo, por armas de fogo ou por instrumentos cortantes, "possivelmente facões e foices". Havia tiros de calibre 12 na cabeça ou dado pelas costas (em sete casos), degolas e "esgorjamento" (corte de fora a fora no pescoço sem desprender a cabeça). "Empregaram muita violência", diz Soares. Repassar informações sobre os cadáveres foi outra missão de Soares. Atento às orientações da Interpol, ele pediu ajuda para reunir os familiares dos mortos em um mesmo local. Assim, informaria todos de uma só vez.

 

Em um ato ecumênico, conseguiram um local para receber os parentes. Um pastor conversou com um padre, que cedeu o espaço anexo à igreja. "Naquele momento não existia diferença de religiões. A preocupação era dar acolhimento às famílias das vítimas da chacina de Colniza." Às 15h30, terminaram o trabalho. No mesmo dia, os familiares, tristes e resignados, fizeram o enterro.

 

Em nota, a Prelazia de São Félix do Araguaia, cujo bispo emérito é dom Pedro Casaldáliga --ativista reconhecido internacionalmente--, relacionou a chacina de Colniza "com avanços tão graves na perda de direitos fundamentais para o povo brasileiro" no governo Temer. A nota cita a medida provisória 759. Duramente criticada pelo Ministério Público Federal, a "MP da grilagem", como ficou conhecida, altera as normas sobre a regularização fundiária em todo o país. Na prática, permite a legalização de áreas de até 2.500 hectares. Movimentos sociais e institutos de defesa socioambientais afirmam que a medida favorecerá grileiros e grandes donos de terras, aprofundando a concentração de terras e, assim, os conflitos no campo. 

Clique aqui e faça parte no nosso grupo para receber as últimas do HiperNoticias.

Clique aqui e faça parte do nosso grupo no Telegram.

Siga-nos no TWITTER e acompanhe as notícias em primeira mão.

Comente esta notícia

Algo errado nesta matéria ?

Use este espaço apenas para a comunicação de erros