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Artigos Sexta-feira, 18 de Agosto de 2017, 15:30 - A | A

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Sexta-feira, 18 de Agosto de 2017, 15h:30 - A | A

De metamorfose

A poeira impregnada no corpo e na roupa é companhia naquela trilha que liga Minas a Rondonópolis

EDUARDO GOMES

Divulgação

Eduardo Gomes

 

Boca da noite. Céu avermelhado. Temperatura caindo. O chapadão treme uivando com a ventania do Cachorro Louco. Um rasgo no cerrado abre passagem aos carros que se aventuram pela BR-364. Ao volante da Toyota Bandeirante tenho os pés em brasas com o vapor do motor que entra pelas frestas do assoalho. A poeira impregnada no corpo e na roupa é companhia naquela trilha que liga Minas a Rondonópolis.

 

Paro na Pensão do Bento, no município de Alto Garças. Garanto o pouso. Com uma coberta peleja e algumas talagadas da branquinha enfrento o vento gelado que passa uivando, levantando poeira e carregando folhas mortas. No lusco-fusco clareando o dia 12 de agosto de 1973 retomo a viagem. Entre a cinza e o rebroto do cerrado vejo gado gordo, com o pelo liso e sem berne. Bela imagem do nosso abençoado Mato Grosso.

 

 Naquele mesmo ano, não muito distante da Pensão do Bento, em Rondonópolis, o gaúcho Adão Riograndino Mariano Salles literalmente lançava a semente da mudança econômica regional cultivando na fazenda São Carlos a primeira lavoura de soja mato-grossense. Com pesquisa e investimentos Adão serviu de espelho para que a leguminosa chinesa se espalhasse por onde até Deus duvida.

 

A Pensão do Bento não mais existe. O poeirão vermelho e os atoleiros da 364 foram substituídos pelo asfalto que recebe tráfego intenso, pesado, nervoso, com muita pressa. O cerrado cedeu espaço à agricultura que produz para o mundo. O tempo passou passando, sem pressa, mas inexorável. Mudanças aconteceram e muitas mais continuarão ocorrendo em Mato Grosso, como parte do ciclo evolutivo da Terra. Sem que notasse perdi a juventude daquela época, passei pela meia-idade e estou às vésperas dos setenta.

 

Menos por mim, que reconheço a fragilidade humana e entendo que somos transitórios, mas pelo comparativo entre o ontem e o agora para a coletividade – e mais ainda pelo temor do amanhã – tenho saudade daquele bom período de plena identificação do homem com o mundo, de mais calor humano e menos tecnologia, de mais vida e menos violência, de mais Cristo e menos cristianismo financeiro. Passou, tudo passa...

 

Agora a lavoura da soja vai além da linha do horizonte. A logística de transporte ganha diversificação. Tudo muda muito rapidamente na desembestada corrida do indivíduo contra a lógica de sua existência.

 

Todos nós sessentões, sem exceção, em maior ou menor escala, intencionalmente ou não, por ganância ou comodismo, de um modo ou outro destruímos a Pensão do Bento, derrubamos o cerrado e matamos sua fauna, desviamos de Mato Grosso o vento gelado que passava uivando, poluímos suas águas, corroemos costumes, solapamos valores tradicionais, desfiguramos conceitos familiares. Abrimos a porta ao mundo tecnológico e impessoal. Digo aos meus filhos Jeisa, Agenor e Luiz Eduardo, e aos meus netos Ana Júlia, Maria Carolina e Eduardo: essa metamorfose não valeu a pena.

 

*EDUARDO GOMES DE ANDRADE é jornalista. [email protected]

Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do site de notícias www.hnt.com.br

 

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